"-Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a
raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei
a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às
quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da
felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar
o coração… É preciso ritos." (Antoine de Saint-Exupéry em O Pequeno
Príncipe)
Jacqueline Cossentino,
pesquisadora de Educação e doutora por Harvard, passou algum tempo pesquisando
uma escola Montessori e percebeu algo interessantíssimo que publicou em um
artigo chamado “Habilidade de Ritualização: Uma visão não-montessoriana do
Método Montessori”. Jaqueline sugeriu que dois itens que fazem parte da ordem
do ambiente montessoriano e a utilização do tempo e o comportamento das
pessoas. É uma visão extremamente valiosa.
Montessori
descobriu que uma das tendências da infância é ter afeição à ordem, em todos os
sentidos. Já escrevemos aqui no Lar o quando é importante que o ambiente onde
vive a criança seja muito bem organizado, e nas últimas semanas explicamos como
é importante que a fala dos pais seja clara e precisa. Toda essa organização se
estende para a utilização do tempo com a família e para o comportamento dos
pais.
A
previsibilidade gera um imenso conforto para a criança, pois possibilita a
sensação de certeza e a sensação de domínio sobre a vida e o mundo, que é muito
importante para o desenvolvimento da personalidade, especialmente no que diz
respeito à auto-estima e auto-confiança.
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A utilização de agendas pode ser
uma boa ideia com crianças maiores. |
A agenda da
criança precisa ser bastante bem definida, inicialmente pelos pais, a partir da
observação dos horários naturais da criança. É importante permitir que ela
expresse como funciona seu relógio biológico e que a partir dele uma rotina
seja criada. Quando a criança estiver indo para a escola ou fazendo atividades
como ballet ou esportes, torna-se relevante que estas tenham um dia e um
momento também. A brincadeira com os pais, é claro, pode acontecer a qualquer
momento, mas que haja um momento diário de estar
junto ainda que os pais estejam cansados demais para brincar, que seja para
conversar, estar perto, ler uma história. Isso não deve ser acidental nem
incidental, deve ser muito bem programado pelos pais, mesmo que a criança não
tenha acesso à programação. A regularidade a ensinará quando esperar os pais
para algo e quando não, por exemplo, evitando assim a frustração pela ausência
deles.
A utilização
de rituais também traz a sensação de domínio sobre o mundo (e aliás, é
exatamente para isso que os rituais servem desde tempos imemoriais) e torna
possível à criança organizar suas atitudes diante das diversas ações mais
frequentes de seu dia-a-dia. Desde coisas muito simples, execute as ações com
ele sempre na mesma ordem. Para se trocar, por exemplo, a ordem pode ser
“sapato-meia-calça-cueca/calcinha/fralda-camiseta” ou o contrário, mas faça
sempre do mesmo jeito. Na hora do banho também, ensaboe sempre determinadas
partes do corpo primeiro e outras depois, e enxague na mesma ordem. Ao servir a
comida, procure organizar os pratos em ordens semelhantes sempre, ex:
“salada-prato quente-fruta”. Quando é que se escova os dentes? Como é que se escova os dentes?
Ensine-o a fazê-lo em uma só ordem, para que a sequência seja gravada.
De manhã cedo
como se faz? Levanta-se, lava-se o rosto e coloca-se a roupa? Utilize sempre a
mesma sequência. Para nós, adultos, variar pode ser interessante, mas para a
criança é confuso. Na hora de dormir, coloca-se o pijama primeiro, e depois se
escova os dentes e se deseja boa noite? Antes de dormir o que se faz? Reza-se,
lê-se? Inicialmente parece que é muito para pensar de uma só vez, mas você vai
perceber que na verdade já tende a fazer tudo do mesmo jeito todos os dias, é
mais uma questão de organizar os detalhes.
Seu filho ou
sua filha terão uma compreensão muito maior da própria vida se puderem contar
como foram seus dias, e isso funciona melhor quando existe uma ordem para suas
ações. Assim, eles perceberão que dominam tudo o que fazem, e que conhecem o
momento de cada afazer, e que sabem exatamente como cada ação de seu dia-a-dia é executada, sem confusão e sem
muitas exceções. Isso tenderá a auxiliar a criança a se conhecer melhor, a
confiar mais em suas capacidades de ação e a construir sua própria liberdade.
Muito boa sorte!