LarMontessori.com

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ordem em Família II: Prêmios e Castigos


O método Montessori, por compreender que a criança é capaz de melhorar pelo prazer de se aperfeiçoar e por reconhecer que o maior prazer do aprendizado está no processo de aprender e não no que foi aprendido, é veementemente contra prêmios e castigos, no entanto, sei que este tema é polêmico, e reforço: a intenção do Lar Montessori não é avaliar a educação que você dá para sua criança. Nós estamos aqui para ajudar, para transmitir opções que julgamos interessantes e para contar o que uma das maiores mentes do século XX sugeriria para nós, do século XXI.

O maior prazer que podemos ter é aquele de estarmos satisfeitos conosco mesmos, de perceberemos que somos capazes de nos comportar como desejamos. Aliado a este está o talvez ainda superior prazer de aprender. A alegria de enxergar o mundo melhor do que enxergávamos antes e de, portanto, dominá-lo mais, só é comparável a alegria de dominarmos a nós mesmos. Desta forma, devemos nos esforçar ao máximo para que a criança possa sentir, em seu tempo e sem nenhum tipo de pressão externa, este tipo tão saudável de bem-estar.

Montessori conta uma história divertida. Certa vez, estava em sua sala de aula, em San Lorenzo, quando um senhor entrou na escola, como visita, para conhecer seu trabalho, já famoso à época. Ele trazia um saco com doces e bombons que iria dar às crianças. Entregou o primeiro para uma menininha que havia conseguido, com sucesso, desenvolver uma atividade complexa: ela deveria somar quantidades menores que dez de forma a chegar em 10 de diversas maneiras. Ela agradeceu pelo bombom, e com ele continuou a atividade, o utilizando para “bater” nas pecinhas que contava, de forma a contá-las com mais atenção.

Em uma outra situação, um garoto que teve um comportamento muito bom recebeu uma medalha de metal para pendurar no pescoço. Deveria ficar com ela sentado a uma cadeira, para servir de exemplo aos colegas. Um outro rapazinho, não tão bem comportado, veio até ele e lhe perguntou se podia usar a medalha. Imediatamente ele a tirou do pescoço e, com um olhar aliviado, voltou ao trabalho.

Montessori ainda reforça estes exemplos, explicando que a sensação de ser parabenizado após um aprendizado é de humilhação. Seria a mesma sensação de um cientista que, depois de ter descoberto a antimatéria ou a cura do câncer, recebesse uma medalha e tivesse de ficar sentado como exemplo para seus colegas. A vocação de um descobridor não é essa, seu prazer é o trabalho e o conhecimento, e assim é com todas as crianças.

Presentear uma criança pelo seu bom comportamento seria como dar um bombom a um monge que conseguisse manter o silêncio e a castidade. Seu prêmio é o amadurecimento de sua personalidade, a sua ascenção espiritual. O único que lhe poderia presentear não está entre nós.

Da mesma forma, o castigo não é uma prática saudável. O castigo reforça o erro, faz a criança pensar sobre o que fez de errado, e o que fizemos de errado não nos ensina. Ensina-nos, antes, repetir o comportamento certo, tanto o nosso quanto o alheio. Buscar alternativas dentro do que sabemos ser correto ou desejável. É sobre isto que devemos meditar, e não sobre o erro. Quando uma criança é colocada no quarto sem televisão, ou quando é privada de algum de seus prazeres por ter cometido um erro, existem dois sentimentos possíveis: o surgimento da raiva e o sentimento de culpa. Nenhum dos dois é produtivo para o aprendizado.

Quando houver um comportamente inadequado, não julgue a criança, julgue a ação. Em vez de dizer: “Que menino mal educado você é!” ou “Que garota mimada você está sendo hoje!”, diga “Seja gentil com sua avó, ela não gostou do que você disse” ou “Você já pediu coisas demais hoje, não podemos ter tudo sempre”. Novamente, é claro que de vez em quando perdemos a calma, exatamente como as crianças. E exatamente como devemos fazer com elas, devemos evitar a culpa, e procurar a melhora do comportamento.

Quando a criança for mais velha, vale a pena abordar as questões pelo lado racional. A partir dos seis ou sete anos, ninguém mais se satisfaz com “Menino mau!” ou “Bom garoto!” e nenhuma criança aceita que lhe digamos “Não faça isso” ou “Aja assim, e não daquela forma!”. É necessário, a partir de então, expor os motivos pelos quais determinadas ações são interessantes e produtivas e outras atitudes são inapropriadas e incomodam os que estão à volta.

Como conclusão, acho importante ressaltar que Montessori não evitaria nunca o carinho, a conversa franca e, por que não, o elogio. Tudo isso pode existir, sim, mas devemos ter em mente que não somos nós que recompensamos a criança pelo seu amadurecimento pessoal e pelo seu aprendizado. É ela mesma, sua mente e sua percepção da própria evolução.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Ordem em Família I - Autoridade


O texto abaixo faz parte de uma sequência de três artigos a serem publicados nas próximas semanas. Este, primeiro, é sobre autoridade. O segundo será sobre prêmios e castigos e o terceiro sobre rotina.
__
“- Se eu ordenasse que um general voasse de flor em flor como uma borboleta, ou que escrevesse uma peça de teatro, ou que se tornasse uma gaivota, e se o general não executasse a ordem que recebeu, qual de nós estaria errado? – O rei perguntou – O general ou eu?
- Você – respondeu o pequeno príncipe, com firmeza.
- Exatamete. Só se deve exigir o que as pessoas podem cumprir.  – O rei continuou – A autoridade que é aceita apoia-se, antes de tudo, na razão. Se você ordenasse a seu povo que se jogasse no mar, eles se levantariam em revolução. Eu tenho direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis.” – Antoine de Saint Exupéry, em O Pequeno Príncipe.

Celma Perry, uma brasileira que é fundadora do Seton Montessori Institute, em Chicago, conta que certa vez estava em um consultório médico esperando ser chamada e que na sala de espera estavam um homem adulto e sua filha. A menina era aluna de Celma. A criança não parava, corria pela sala, subia nas cadeiras, fazia barulho. Celma, sabiamente, só observava, o pai estava presente e não era papel dela interferir, mas aos poucos a professora percebeu que o homem estava ficando nervoso, e que mais hora menos hora, alguém ia explodir, e alguém ia cair na choradeira.

Celma Perry, do SMI
Quando o pai estava a ponto de dar uma bronca na menina, Celma apontando para o tapete cheio de bolinhas azuis, começou a contá-las: uma, duas, três, quatro... E a menina então parou, olhou para o tapete, reparou nas bolinhas, e contou-as, por muito tempo. Celma relaxou, e o pai também, agradecendo à professora da filha pela ajuda.

A autoridade Montessori só é exercida em forma de bronca, em volume alto, em último caso. Se a criança está correndo risco físico ou fazendo com que mais alguém corra, ou se está prejudicando o ambiente de alguma maneira, vale tudo. O ideal é conseguir parar a criança sem a bronca, mas se a ela for necessária, melhor isso do que um ferimento. A pergunta que sempre fica é: E depois que parar, eu ensino onde ela errou?

Bom, não. Depois que parar, ensinamos o jeito certo, e não onde estava o erro. Ensinar o erro é reforçá-lo, é marcá-lo mais profundamente na mente da criança, é fazê-la aprender o errado, ainda que seja para não fazê-lo. Pais e mães não querem filhos inativos, apáticos, imóveis. O que desejam é que seus filhos sejam positivamente ativos, acertadamente animados, que se movimentem gentilmente no ambiente. Assim, não adianta dizer “Pare!”, “Não faça isso!”, “Não toque aí!”. Adianta, antes, parar a criança no momento de risco, se ele existir, e então explicar: “Quando você quiser pegar algo de vidro e for muito grande e pesado, peça ajuda. Se couber nas suas mãos, pegue com as duas mãos e devagar, assim...” ou “Em sofás a gente coloca o pé sem sapatos. O tecido é macio, coloque a mão aqui... Viu? Tire os sapatos e pode subir” ou, ainda sobre o sofá, “Cuidado, o sofá é fofo, está sentindo? O chão é duro. Caminhar no chão é melhor do que no sofá, no sofá você pode deitar e sentar de várias maneiras”.

É claro que eu sei que perdemos a calma de vez em quando. Acontece, e não há porque nos culparmos muito quanto a isso. Somos todos humanos. Pedir desculpas é bom, mas só se a falha foi grave. Não peça desculpas por qualquer bronca, afinal, pedir desculpas é reforçar o erro, e às vezes a criança nem lembra mais. Vale a pena se esforçar, isso sim, por mudar o comportamento da próxima vez.

Ordens devem ser dadas sempre como ordens, mas nunca sem gentileza. A criança ainda não tem pressupostos nem subentendidos, e precisa que tudo lhe seja colocado muito claramente para que compreenda. Quando algum comportamente for importante, seja claro: “Quando entrarmos no museu, fale baixo”, ou “Na casa da sua tia, não pegue nos copos de cristal, ela não gosta”, ou ainda “Vá tomar banho, temos que estar prontos logo para sair”. Tenha em mente que Só se deve exigir das pessoas o que elas pessoas podem cumprir e não peça para seu filho tomar banho em cinco minutos se ele invariavelmente demora quinze. Caso essa rapidez seja necessária, seja ainda mais claro: “Entre no banho, deixe cair só um pouco de água no seu corpo, passe rápido o sabão e o shampoo, enxague-se, lave bem as axilas e a genitália e seque-se rápido também, combinado?” (em Montessori aconselhamos a ciência sempre, e utilizamos os nomes científicos reais para todas as partes do corpo: pênis, vagina, ânus. No entanto, caso prefira, não há nenhum problema em se utilizar apelidos carinhosos em geral).

Ordens e favores são duas coisas diferentes. A criança pode escolher não fazer favores, mas não pode escolher não cumprir uma ordem. Por isso, a sua fala precisa deixar muito claro quando um favor é pedido e quando uma ordem é colocada – lembre-se, seja sempre, sempre, sempre gentil. Um favor pode ser colocado como: “Querido, você pode pegar os meus óculos na mesa, por favor?”, e uma ordem precisa ser colocada como “Querido, suba, pegue sua mochila e vamos para a escola”. No entanto, tenha em mente: embora pedir favores, quando são necessários, não seja errado, é sempre muito bom expressar a sua independência e mostrar que você pode pegar seus óculos, para que a criança aprenda que pode fazer as coisas dela sozinha, também.

Mães e pais com autoridade nunca são mães e pais autoritários. Repare que a autoridade existe quando a criança compreende o aduto. Autoritarismo existe quando o filho teme os pais. Aja sempre de forma razoável e procure educar pelo exemplo. Se você pedir silêncio, mas falar alto, se você pedir ordem, mas for bagunceiro, se pedir que seu filho leia, mas só assistir TV, esqueça, não há como ser obedecido. Mas se souber mostrar como se age certo, as chances são de que mandar quase não seja necessário!