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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Compreendendo Montessori: Princípios da Infância

   O Lar Montessori tem muitos artigos sobre a adaptação da casa para a criança. Com a contribuição deste blog e de alguns outros grupos e famílias, a adaptação doméstica se torna cada vez mais uma tendência, e me enche de alegria enxergar a contribuição que damos a este movimento.

   Muitas vezes, porém, com a melhor das intenções, pais, tios, professores adaptam seus ambientes à criança acreditando que acabou aí e que o ambiente por si fará tudo o que Montessori descreve em sua extensa obra. Embora seja bem verdade que a interação livre entre criança e ambiente já seja capaz de muitos milagres, é claro que há mais que isso. É claro que há muito mais que isso.

   Uso o termo milagres um pouco com um tom leve de graça. Evidentemente, não se tratam de milagres, e é justamente sobre isso que escrevemos nesta série de artigos. Espero que sejam artigos breves, bastante objetivos e sucintos e, portanto, dando brecha a muitas dúvidas (sempre bem vindas). Trataremos de três pontos principais nesta sequência de publicações: 1. Princípios de compreensão da criança em Montessori; 2. Princípios de compreensão dos materiais e do ambiente montessorianos e 3. A preparação espiritual do adulto. Esses temas já foram tratados em maior e menor profundidade aqui. Mas acho que vale uma revisão!


   1. Princípios de compreensão da criança em Montessori:
   Montessori, por meio de longas observações do comportamento da criança durante os primeiros seis anos de vida, chegou a uma conclusão que sintetizou da seguinte maneira em seu Mente Absorvente: "Se a ajuda e a salvação podem vir, vir-nos-ão apenas da criança, pois que a criança é o construtor da homem". Montessori explicava que durante os primeiros anos de vida - inconscientemente de zero a três e conscientemente dos três aos seis - a criança absorve os estímulos de seu ambiente (conceito chamado de mente absorvente) e desta forma constrói o homem. A ideia da construção do homem foi e é compreendida de forma muito metafórica até hoje, como se fosse uma maneira poética de tratar o desenvolvimento da criança. Não é.

   Montessori, em última análise, era bastante literal e objetiva em tudo o que dizia. Com a expressão "construtora do homem" e com a "mente absorvente", Montessori adiantava, sem saber, ideias que seriam novamente exploradas, então pela Neurociência, mais de meio século depois. Norman Doidge, em seu polêmico e elucidador livro O Cérebro que Se Transforma, explica: "O que é extraordinário durante o período crítico do córtex [aparentemente os seis primeiros anos] é que ele é tão plástico que sua estrutura pode ser alterada pela exposição a novos estímulos" e "a diferença entre a plasticidade do período crítico e a plasticidade adulta é que no período crítico os mapas cerebrais podem ser alterados pela simples exposição ao mundo externo porque 'a maquinaria de aprendizado está continuamente ligada'".

   Outro conceito fundamental para a compreensão da infância em Montessori é a ideia de um guia interno. Ela desenvolveu a teoria de que existe, na criança, uma orientação inata para o aprendizado daquilo que é essencial para sua sobrevivência e melhor adaptação. Por isso, segundo ela, a criança consegue aprender a linguagem humana, mas não aprende linguagens animais. E embora Montessori só trate da linguagem oral e escrita, o mesmo se pode dizer tranquilamente das línguas de sinais. A crianças as aprende com a mesma facilidade que aprende as línguas orais e a mesma área do cérebro é utilizada para as duas coisas, na posição de língua materna/natural, embora não me venha agora o local em que li sobre isso.

   Doidge também explica isso (deixem-me dizer: está sendo meu segundo contato com as neurociências, então estou aprendendo mesmo. Não posso dizer muito sem citar). O autor nos diz:
"Durante o período crítico, o BDNF ativa o núcleo basal, a parte de nosso cérebro que nos permite concentrar a atenção - e que o mantém ativo por todo o período crítico. Uma vez ativado, o núcleo basal nos ajuda não só a prestar atenção, mas a lembrar de nossa experiência. Ele permite que a diferenciação e a mudança ocorram sem muito esforço. Segundo Merzenich: 'É como um professor no cérebro dizendo: 'Ora, isto é muito importante - é isto que você precisa saber para a prova da vida." Merzenich chama o núcleo basal e o sistema da atenção de "sistema modulatório da plasticidade" - o sistema neuroquímico que, quando ativado, coloca o cérebro num estado extremamente plástico".

   Montessori tratou também dos períodos sensíveis do desenvolvimento. Intervalos temporais durante os quais a criança se encontraria propensa ao desenvolvimento de uma determinada habilidade. Como disse o professor Daniel Willingham, da Universidade de Virgínia, "Montessori está muito além do que as ciências congnitivas sabem. Devagar estamos chegando lá". Nem todos os períodos sensíveis de Montessori já foram comprovados pelas ciências do cérebro. Mas aquele que é mais enfatizado pela autora foi, e aparece no mesmo livro que usamos de apoio até agora: "Esta sensibilidade permite que os bebês e as crianças pequenas captem sem esforço novos sons e palavras durante o período crítico do desenvolvimento da linguagem, simplesmente ouvindo os pais falarem".

   O que a neurociência chama de plasticidade extrema, Montessori chama de mente absorvente; o que hoje se entende como formação de conexões neurais, nossa médica chamava de construção do homem; aquilo que compreendemos como núcleo basal, ou BDNF, a educadora dizia ser o guia interno da criança e finalmente, aquilo que as ciências cognitivas chamam de período crítico, Montessori nomeava por período sensível. Desta forma, vemos quanto o professor Willingham fala sério quando cita Montessori e quanto esta era objetiva e verdadeira quando explicava que "A base da reforma educativa e social, necessária aos nossos dias, deve ser construída sobre o estudo científico do homem desconhecido", em A Formação do Homem.

   Eu sei que este texto foi denso e que ele foge ao nosso padrão aqui. Eu prometo evitar isso, mas é o que acontece quando tentamos comunicar aquilo que estamos descobrindo. Espero reflexões e, se por acaso algum dos nossos leitores for estudioso da área e quiser elucidar algo nos comentários, tudo é sempre bem vindo! Se você não é estudioso(a) de ciências cognitivas, mas é mãe ou pai e quer deixar suas impressões, é claro que todos nos alegraremos com isso também!

   O próximo artigo tratará de princípios de compreensão dos materiais e do ambiente montessorianos e deve demorar mais um pouquinho para sair. Provavelmente no meio tempo alguns mais tranquilos serão publicados!

   Até breve e um abraço!
   Gabriel

Um comentário:

  1. Ótimo texto, passou de forma leve um assunto mais complexo, adorei a forma como vc mostrou a conexão do pensamento de montessori com a neurociência. O texto ficou super objetivo e claro, e fiquei com vontade de ler logo o artigo nº 2 rsrsrs! Bjs!

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